A Confederação Nacional da Indústria (CNI) entrou no Supremo Tribunal Federal (STF) com ação para questionar decisões da Justiça do Trabalho sobre demissões consideradas discriminatórias. A entidade questiona e pede a suspensão, até julgamento, da Súmula 443 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que aponta discriminação na dispensa de trabalhador portador do vírus HIV “ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito”. E reclama que os juízes têm decidido de forma genérica, limitando o direito do empregador e causando insegurança jurídica. A Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 648 tem a ministra Cármen Lúcia como relatora. O processo chegou à Corte em 31 de janeiro, cinco dias antes de uma declaração de Jair Bolsonaro que aborda tema semelhante. “Uma pessoa com HIV, além do problema sério para ela, é uma despesa para todos no Brasil”, afirmou, ao comentar programa da ministra Damares Alves de abstinência sexual como método contraceptivo. “Sem estabelecer critérios e condições claras e objetivas que permitam sua aplicação com segurança, o verbete de Súmula 443 do TST desencadeou um conjunto de decisões imprecisas”, diz a CNI. A confederação patronal afirma que já existem leis que coíbem a discriminação. “Isso não equivale a dizer que os portadores e doentes com vírus da Aids adquiriram garantia de emprego, quiçá estabilidade eterna, ou tampouco que se possa ou que se deva presumir discriminatórios todos os atos de dispensas dessas pessoas”, acrescenta. O que diz a Súmula 443 do TST: “Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego”. Uma das leis citadas pela CNI, a 9.029, de 1995, proíbe práticas discriminatórias no trabalho. No caso de rompimento da relação de trabalho (artigo 4º), prevê direito a reparação por dano moral e reintegração “com ressarcimento integral de todo o período de afastamento” – ou pagamento em dobro do valor devido nesse período. Já a Lei 12.894, de 2014, refere-se especificamente a portadores do HIV e doentes com aids. No artigo 1º, classifica como crime, passível de reclusão, “exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego”, entre outros itens.
“Ao sabor da interpretação”
A entidade patronal afirma que a 443 “cria, sem base legal, tanto uma regra processual generalizada de inversão de ônus da prova, atropelando o princípio do devido processo legal”. Além disso, argumenta que, com o termo “doença grave”, as decisões dos juízes “navegam ao sabor da interpretação” de cada um, incluindo “uma lista interminável de doenças”, como câncer, esclerose múltipla, tuberculose, hepatite e depressão, entre outras. Com isso, estaria criando “uma nova espécie de estabilidade empregatícia genérica e desvinculada do caráter discriminatório que se quer reprimir”. Algumas decisões da Justiça do Trabalho mostram sentenças a favor e contra os empregados. Em 2018, por exemplo, a Terceira Turma do TST jugou improcedente os pedidos de um funcionários soropositivo em uma fábrica de mármores em Cachoeiro do Itapemirim (ES). Ele pedia indenização por danos morais e materiais, mas o colegiado negou, justificando sua decisão pelo fato de que nem o empregado sabia de sua condição de saúde quando foi dispensado. Em 2010, a Primeira Turma do TST confirmou a reintegração de uma portadora do HIV, em Minas Gerais, por entender que houve “caráter arbitrário e discriminatório” na decisão. Na ocasião, o relator, ministro Lelio Bentes Corrêa, sustentou que as informações do processo permitiam “presumir, sem sombra de dúvidas, discriminação e arbitrariedade” na demissão. No ano passado, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do tribunal confirmou decisão da Sétima Turma, que havia considerado discriminatória a dispensa de um executivo de uma indústria que havia sido diagnosticado com câncer de próstata. Por 10 votos a 3, foi aplicada a Súmula 443. Com 28 anos de casa, ele alegou que sempre manteve a empresa a par de sua situação de saúde, enquanto a companhia disse que fez o corte para reduzir custos. A primeira e a segunda instância haviam considerado improcedente o pedido, decisão que foi reformada na última instância. A Sétima Turma decidiu pela reintegração e pagamento da remuneração devida durante o afastamento, ou pagamento em dobro, como determina a súmula, além de indenização de R$ 200 mil por danos morais. Algumas categorias profissionais têm cláusulas específicas sobre o tema. No acordo dos metalúrgicos na base da CUT no estado de São Paulo, por exemplo, a cláusula 30 estabelece que o portador de HIV tem emprego e salário garantidos até o afastamento pelo INSS, “só podendo ter seu contrato de trabalho rescindido por cometimento de falta grave ou mútuo acordo”, desde que assistência do sindicato. Acrescenta que o empregado deve informar a empresa mediante um documento médico.
Fonte: RBA