Audiência na OAB contesta motivos do governo para mexer na aposentadoria

Durante a audiência pública realizada em São Paulo, na OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), as regras para a reforma da Previdência, incluídas na PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 287 do governo, foram duramente criticadas por advogados, entidades de aposentados e congressistas.

A PEC 287 foi apresentada no início de dezembro pelo governo. Entre as principais mudanças estão: idade mínima de 65 anos para homens e mulheres com, no mínimo, 25 anos de contribuição; fim da pensão por morte integral; fim da aposentadoria rural com regras diferenciadas; sistema de cotas para a pensão por morte de acordo com o número de dependentes; aumento da idade mínima dos benefícios assistenciais para 70 anos e fim da aposentadoria especial para professores (veja arte abaixo).

A proposta do governo também estabelece uma regra de transição para quem está perto de se aposentar. Homens com 50 anos de idade ou mais e mulheres com 45 anos de idade ou mais terão regras diferenciadas. Trabalhadores nessa situação deverão cumprir um período adicional de contribuição , uma espécie de “pedágio”, equivalente a 50% do tempo que faltaria para atingir o tempo de contribuição exigido. Por exemplo, se para um trabalhador faltava um ano para a aposentadoria, passará a faltar um ano e meio (12 meses + 50% = 18 meses).

A regra de transição só vale para o tempo de aposentadoria, já para o cálculo do benefício valerá a nova regra proposta, ou seja, o ponto de partida garante apenas 76% da média do valor contribuído.

Para Carlos Alberto Vieira de Gouveia, presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB São Paulo, a reforma precisa ser melhor discutida. “Não se faz uma mudança tão grande sem ouvir o povo. A população precisa ser ouvida e as propostas explicadas, principalmente as suas consequências, por exemplo, com idade mínima de 65 anos para se aposentar, o mercado daria conta de abarcar as pessoas mais idosas? Se sim, de que modo isso afetaria os jovens que estão chegando para buscar espaço?”, disse.

O advogado Chico Couto de Noronha Pessoa, presidente da Comissão Especial de Direito Previdenciário do Conselho Federal da OAB, lembrou ainda que a instituição da idade mínima de 65 anos para trabalhadores urbanos e rurais inviabiliza as chances de aposentadoria em estados com expectativa de vida mais baixa. “Em Alagoas, Maranhão e Piauí os trabalhadores vão contribuir para uma aposentadoria que nunca virá caso a PEC seja aprovada”, disse o advogado. Pessoa também afirmou que o argumento de déficit da Previdência é “controverso”. Na próxima terça-feira, dia 31, o conselho se reúne em Brasília para discutir os pontos da reforma e apresentar emendas.

Falando pelo governo, Bruno Leal, assessor especial da Casa Civil, afirmou que as mudanças são necessárias e a proposta é “constitucional e coerente”, por outro lado, admitiu que “se for da vontade do Congresso, é possível aprimorar a reforma”.

De acordo com Leal, que abriu a fase de exposição de ideias da audiência, a reforma foi pensado levando em conta diversos estudos sobre questões demográficas e mudanças estruturais do país que, segundo ele, contribuem para o aumento do déficit da Previdência Social. “Os estudos foram profundos e os diagnósticos foram muitos. A proposta apresentada como está é, na minha opinião a alternativa mais adequada, porém, se for da vontade do Congresso é possível aprimorar para chegar num ponto de consenso”, disse.

Os dados apresentados pelo representante do governo na audiência da OAB mostram, para as próximas décadas, uma tendência de diminuição significativa na razão entre os brasileiros com idade para trabalhar (entre 14 e 64 anos) e aqueles com idade para se aposentar, levando em conta as novas regras (65 anos ou mais). Atualmente, de acordo com o governo, existem 140,9 milhões de brasileiros na faixa laboral e 16,1 milhões de idosos, a razão é de 8,75 para um.

Em 2040, pelas projeções do IBGE, serão 152,6 milhões de brasileiros com idade entre 14 e 64 anos contra 40,1 milhões de pessoas com idade para se aposentar, a razão seria de 3,8 para 1. No ano de 2060, a razão cairia para 2,25 para um (131,4 milhões de trabalhadores e 58,4 milhões de possíveis aposentados).

A comparação é importante, segundo Leal, porque o modelo de Previdência pública adotado no Brasil é de caráter solidário, ou seja, uma espécie de pacto entre gerações onde a contribuição dos segurados na ativa sustenta o pagamento das aposentadorias. Pelo cenário apresentado pelo governo, em 2060, a relação entre os que pagam e os que recebem será 74,2% inferior ao que é atualmente, inviabilizando o sistema. Confira a opinião de especialistas ouvidos pelo R7 sobre a desiguladade da Previdência.

 

Desvinculação

 

O deputado federal Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) contestou duramente as argumentações do representante do governo. “Esse mote da campanha publicitária ‘Reformar hoje para garantir o amanhã’ é uma mentira. É propaganda enganosa. Tem até uma queixa no Conar [conselho regular de propaganda] contra ela. Na verdade, o próprio governo é o responsável pelo que está acontecendo nas contas da Previdência. Tanto é que o ministro Raimundo Carreiro, presidente do TCU (Tribunal de Contas da União), já autorizou uma auditoria nas contas”, disse.

De acordo com o deputado paulista, o desequilíbrio nas contas acontece por causa da DRU (Desvinculação das Receitas da União) que permite o uso de parte da arrecadação da Seguridade Social para cobrir outras despesas do governo deixando a Previdência desfalcada.

“A DRU já vem de governos passados, sempre tirando da Previdência, este governo que está aí agora aumentou a mordida em 50%. Era de 20% das contribuições da Seguridade Social e passou para 30%, além disso a DRU foi prorrogada até 2013. Só no ano passado, foram tirados R$ 120 bilhões. Até 2023 será de R$ 1 trilhão. Eles tiram o dinheiro da Seguridade Social e depois vêm com essa história de que falta recursos para a Previdência”, disse Faria de Sá.

 

Outro ponto questionado pelo parlamentar foi a falta de empenho do governo de ir atrás dos credores da Previdência, entre eles as empresas que sonegam a contribuição obrigatória. “Hoje o total da dívida previdenciária em execução é de R$ 374 bilhões mais R$ 127 bilhões em cobrança administrativa. Dá mais de meio trilhão para ser cobrado de corruptos, mas não é. Se fosse cobrado não precisaria de reforma”, disse.

O advogado Guilherme Portanova, diretor jurídico da Cobap (Confederação Brasileira dos Aposentados e Pensionistas), afirmou que sob o argumento da reforma o governo está propondo, na verdade, a maior retirada de direitos sociais desde a Constituição de 1988. “Reforma é para melhorar. Ninguém reforma a sua casa para trocar tijolo por madeira. Estamos diante de uma extinção de direitos sociais. Vão acabar com a aposentadoria por idade, vão acabar com a aposentadoria por tempo de contribuição, vão acabar com a aposentadoria especial, porque a aposentadoria especial, que protege o trabalhador em atividade de risco com a redução do tempo exigido para que ele não fique doente ou morra, vai virar aposentadoria por invalidez, que será concedida só se ele comprovar a moléstia. Essa PEC 287 é bizarra. Um estudo da Anfip, associação dos auditores fiscais, mostra que nos últimos dez anos, mesmo com a DRU, a Seguridade Social, que inclui a Previdência, o superávit foi de R$ 658 bilhões”, disse.

Juca Guimarães, do R7

 

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